Cíntia Moreno trancou a porta da livraria As Sabinas sentindo-se
satisfeita. Mais um Natal em que conseguira juntar famílias, adultos e crianças
em igual número, para a leitura de contos de amor e de esperança relativos às
festividades. Ficava muito feliz com a resposta dos moradores de Remanso e
arredores, a curiosidade, o interesse, o engajamento com tudo aquilo que ela
apresentava como incentivo cultural!
Apagou as luzes do salão principal, mas deixou acesas aquelas que
enfeitavam a árvore de natal que montara com livros na vitrine. Apreciou o
efeito do colorido e do reflexo nas janelas. Inspirador!
Fez seu roteiro de final de dia: conferiu que todos os livros e as
revistas da sala de estar estavam arrumados. Do setor de crianças até a copa,
dos computadores até a saleta das crianças: tudo ok. Trancou as portas do
jardim e verificou as janelas. Finalmente no caixa, abriu a registradora,
envelopou a féria do dia e já ia embora quando viu um pacote de presente
esquecido no balcão. Pelo tamanho do embrulho, sabia exatamente de quem era
aquele livro, um infantil, “Vera, Lúcia, Pingo e Pipoca” da escritora
brasileira Maria José Dupré. O marinheiro Queirós comprara dois exemplares mais
cedo, mas por algum motivo, aquele ficara ali.
Considerou o que fazer. A casa do marinheiro era fora da cidade e Cíntia
chegaria atrasada à ceia para a qual fora convidada se fosse até lá. A livraria
estaria fechada no dia seguinte, portanto, o homem não ia conseguir pegar o
presente esquecido. Decidiu levar o pacote consigo. Quem sabe encontrava o marinheiro
em algum momento. Seu coração ficava consternado ao pensar na expectativa
frustrada de uma criança.
Foi recebida com festa no haras de seus amigos e ficou feliz ao ver que
o marinheiro Queirós fazia parte dos convidados. Lá estava ele, acompanhado da
mulher e do filho, que brincava com um binóculo, todo compenetrado numa
poltrona. Cíntia buscou em seu carro o pacote e ia se aproximar de Queirós,
quando ele abriu muito seus olhos e acenou uma negativa disfarçada com a
cabeça. Ela hesitou, mas entendeu e permaneceu distante.
Cíntia deixou o livro perto de sua bolsa e acabou por se envolver nas
celebrações natalinas, esquecendo o assunto.
Dia 26 de dezembro, assim que abriu as portas d’As Sabinas, recebeu a
visita de Queirós que trazia uma menina pela mão. O vestido simples, mas
engomado, o cabelo comprido numa trança, meias curtas com rendas e sapatos de
verniz. Aparentemente, regulava em idade com o filho do marinheiro.
— Esta é a dona da livraria, querida — disse ele para a garota de grandes
olhos. —Ela guardou seu presente que Papai Noel deixou aqui.
A menina abriu um grande sorriso.
— Qual é o seu nome? — perguntou Cíntia.
— Júnia.
— Muito bem, Júnia, um feliz Natal para você! — Ela entregou o pacote à
garota.
Júnia pegou-o com delicadeza e procurou um lugar onde se sentar. Abriu
com cuidado o embrulho e admirou a capa, passando os dedos sobre as figuras
coloridas. Abraçou o livro, levantou a cabeça e sorriu para os adultos que a
observavam.
— Era tudo o que eu queria!
Os olhos do marinheiro estavam marejados e Cíntia se afastou da dupla em
silêncio, com um sorriso nos lábios.
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