Réplica às considerações do Blog Listas Literárias sobre o romance da autora brasileira Nancy de Lustoza Barros e Hirsch: Perdi a Cabeça.
1 - Enquanto romance burguês - e tem aparecido
alguns - Perdi a cabeça procura desempenhar determinado papel,
enquanto, assim como parece o Brasil, joga-se num passado mítico e de um
recorte bastante específico que acaba isolado numa bolha ínfima e privilegiada
dentro de um todo, maior e mais complexo, de modo que o romance soa nostálgico,
isso no conceito problemático de nostalgia;
Sim, é burguês, é nostálgico (problemático por quê?
O tom da história não tem nada de sombrio), sim, o passado é mítico – romances têm
o aval para usar mitos. Sim, houve uma escolha proposital de um recorte do
tempo para posicionar a história. Pergunta que não quer se calar: por acaso o
crítico leu alguma vez livros de Nora Roberts, Nicholas Sparks, Janet Evanovich?
Parece-me que ele está totalmente desconectado deste tipo de literatura, altamente
bem-sucedida. Cabe notar que não me coloco no mesmo patamar destes fenômenos,
sou mera copiadora pretenciosa.
2 - Tal mergulho no tempo é feito, diga-se, com
bastante sinceridade, pois a autora deixa claro em nota que "esta história
se refere a um período em que aparelho celular era algo do futuro, fumar não
era execrado, a lei seca e nem o politicamente correto tinham sido concebidos.
Também, o vírus da Aids não havia chegado ao Brasil". A nota, aliás, é de
interessante curiosidade, especialmente por incluir o politicamente correto ao
lado doutros comportamentos. Há na burguesia um levante recente contra o
politicamente correto, e compreendo que há pontos a serem discutidos na
questão, entretanto, em muitos casos em que se advoga contra ele trata-se de
barreiras a processos civilizatórios de avanço da sociedade, por isso questão
polêmica. Nesse aspecto há certa sensação de positivismo à época em que se
passa a narrativa, especialmente se atentarmos para a própria narrativa;
De onde o crítico tirou a ideia de que há alguma revolta
contra os processos atuais civilizatórios? A nota tem a clara intenção de
alertar: “não faça isto em casa”! ou seja, não aprova a promiscuidade que
eventualmente provocaria uma exposição ao vírus HIV.
3 - Em resumo, o livro é em grandíssima parte este
mergulho nostálgico aos anos 80, e mais que isso, a um estrato bastante reduzido
da sociedade e da própria história, que afora algumas referências mais
pontuais, não ambienta com destaque a narrativa, pois que no centro de tudo
estão os costumes e as ações a partir de tais costumes;
Bó! Por acaso o Senhor Crítico leu algum romance não biográfico de Nelson Motta? Sem ousar me comparar a ele, pelamordedeus, mas pelo recorte no tempo. Ou será que assistiu à série Bossa Nova? Vá se instruir, garoto!
4 - Para isso a autora constrói a sua narrativa a
partir do núcleo de uma família tradicional burguesa, mais especialmente sobre
os irmãos Vinícius e Lettie, cujos comportamentos são aparentemente distintos,
mas que no fundo carregam ambos o egocentrismo natural dos abastados e
privilegiados. Ele num drama entre assumir ou não os negócios da família
enquanto impactado pelo "amor", e ela no melhor estilo Patricinhas de Beverly Hills quer curtir a vida
doidamente junto com as amigas;
Verdade! O crítico claramente escolheu se opor a
retratos propositalmente emoldurados pela burguesia e pelo dolce far niente.
5 - Tudo isso acontecendo em meio a uma situação
peculiar a que todos são envolvidos, que inclusive procura dar notas de
narrativa policial ao romance, mas que não se confirmam. A narrativa se passa
boa parte no hospital da cidade por causa de um acidente em que Lettie e as
amigas acabam se envolvendo, e onde Vinícius vindo da Europa terá de decidir
seu futuro. É nesse ambiente que a existência de segredos surge, bem como o
próprio comportamento irresponsável muitas vezes de suas personagens, aliado a
certa propaganda de determinados costumes;
Propaganda de determinados costumes ou relato de
tais costumes?
6 - Na verdade é que tudo parece deslocado no
tempo, o que nos causa estranheza. Casamentos arranjados, bebedeiras ao
volante, a vida livre de privilegiados que não precisavam "dividir" o
país, a banalidade dos afortunados, enfim, tudo isso sob tintas positivistas
neste leitor, pelo menos, causaram certo desconforto e, por mais que seja o
retrato de determinado período e dum estrato bastante minoritário, faz com que
o livro pareça um tanto ultrapassado, impressão que cresce com o final bastante
semelhante aos antigos melodramas;
Eu tive duas colegas de escola cujos casamentos foram
arranjados pelas famílias naquela época e depois, mais recentemente, um amigo
se sujeitou a isto. Um conhecido combinou com a noiva que se casariam para se
libertarem das exigências familiares. Uma amiga aceitou casar-se como disfarce
para o amigo gay. O crítico flagrantemente não é uma pessoa do mundo ao negar
os afortunados, os melodramas da vida real, o comportamento irresponsável, a burguesia
e o egoísmo das pessoas.
7 - Todavia, tais questões são de escolha estética
e política de quem escreve, e não há aqui qualquer julgamento de valor, pois
podem ser discutidos a partir dos elementos da estrutura literária. Nesse
sentido algumas questões devem ser levantadas. Primeiro que o romance fica
muito a mercê dos costumes e das intenções de tal abordagem, de modo que o
enredo se fragiliza por promessas de tensionamento que não avançam;
Ok.
8 - Além disso, há certa desproporcionalidade na
ação que às vezes dá um baque na verossimilhança interna, como as participações
policiais na narrativa, ora exageradas, ora tímidas. Aliás, é interessante
observarmos certa naturalização do comportamento policial pouco ortodoxo,
carregado de privilégios e tratamentos diferenciados, o que se colocado na obra
de modo crítico, poderia ser virtude. Entretanto, como muito das naturalizações
de comportamentos que hoje são questionados pela sociedade, há no positivismo
de alguns olhares do romance que promovem certa alienação;
A polícia era ontem e é hoje isenta e ortodoxa? Em
que país este crítico mora?
9 - Somado a isso, penso que os personagens,
especialmente os protagonistas carecem de força, ou mesmo de empatia. Todos
praticamente, serviçais do ego, sem aventuras psicológicas profundas,
fortemente mimados pelos privilégios sociais que gozam. Isso a certo modo, de
maneira positiva faz saltar ao espelho as contradições que certa cegueira
enevoa ao esconder tudo aquilo que existe para além do universo dos Avoeiros e
Bogado;
Verdade.
10 - Enfim, Perdi a cabeça é
romance escrito com o domínio da linguagem, mas cuja mensagem e estética
escravas de uma nostalgia que não se abre ao novo mundo parece criar uma
prisão, uma bolha em que todos são felizes e cujos dramas não passam de ciscos
sob os tapetes de mansões, aqui ou na Europa. Isso tanto desconecta-se dos
tempos presentes, como, paradoxalmente, muito nos diz do agora.
Bolha
propositalmente criada e colocada no passado para justamente contrastar com os
dias de hoje. Mas agradeço o “domínio da linguagem”. Afinal foi o que ficou de
positivo da apreciação feita.
Minhas
conclusões: mais uma vez, não me dou bem com críticas. Quem sabe com mais
tempo e exposição? Porém, tenho os seguintes comentários: o crítico – como todos eles, ou
seja, mais um da mesma escola – tem em alta conta sua erudição e se perde com
frases de efeito nas quais o sentido acaba escapando ao leitor comum
interessado numa história. Creia-me, meu senhor, o mundo caracterizado em Perdi a Cabeça existiu e ainda existe, ele apenas lhe é desconhecido. O crítico acha estranho o que não lhe é conhecido: “Narciso
acha feio o que não é espelho”, com a licença de Caetano Veloso na composição
daqueles anos em que o livro situa sua história.
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