Thursday, 12 December 2019

Mama Africa

M'Captain.
Foto Nan

Uma viagem, dois propósitos: um casamento e um safari

CAPE TOWN

Cheiro de fumaça, de carne na brasa, poeira. Table Mountain, impávida.

Já que estávamos na África do Sul para assistir ao casamento de amigos, conhecer Cape Town se fez obrigatório. Como introito à cultura do outro lado do Atlântico foi ótimo. Nosso hotel no centro da cidade, numa avenida badalada, é rodeado de casas coloniais, construídas no século XVII, de forte influência inglesa usando as estruturas metálicas da Revolução Industrial. Hoje elas se transformaram em hotéis, hostels, restaurantes e bares que funcionam as 24 horas do dia. Barulho, falatório, música, cantoria é a sinfonia noturna.

 Lojas com o rico artesanato local abundam. Todos os preços são negociados, dá para o oferecer a metade e sair-se bem!

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Fomos fieis ao Lola’s, que serve um café da manhã bastante diferente, agitado pelo entra e sai dos turistas. As garçonetes são ágeis e simpáticas, apesar da correria. O salão é ornado por desenhos e pinturas da proprietária que tem sempre um sorriso no rosto e se veste excentricamente. Quando viajo, o primeiro dia no exterior para mim é sempre um embaço de sono e perdi as ostras do Sea Breeze. Mas no dia seguinte não neguei fogo e constatei que realmente são fabulosas. Experimentar as diferentes comidas ajuda no mergulho cultural. Já o Fire Fish não impressiona: aberto para aproveitar a vista do mar, mais parece uma rodoviária, salvou-o a companhia e o bom vinho tinto.

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Uma agradável surpresa: o time de rúgbi nacional Springboks vence a copa mundial e a festa na rua foi fantástica! Eu, que sou capaz de chorar em inauguração de supermercado, não consigo conter as lágrimas e me deixo envolver pela euforia reinante. O sorriso de um dos jogadores que mostra a taça para as pessoas do alto do carro em que passam é lindo, contagiante. E, pasmem, mesmo com a multidão apaixonada lotando a rua, nenhum estabelecimento fechou as portas na avenida pela qual a carreata passou e onde tomávamos café da manhã!!! Salve, salve. Detalhe: o título foi inédito para a África do Sul. No desfile, um gaiato carregava uma caixa simulando uma lápide com os dizeres: R.I.P. England!


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Agora, para continuar o relato, retiro do bolso uma novela de estrondoso sucesso no Brasil, Mulheres de Areia, que forjou a imagem do bem e do mal relacionados às personagens das irmãs gêmeas Ruth, a boazinha e Raquel, a megera. O sucesso foi tanto que até os dias de hoje é comum utilizarmos “Ruth e Raquel” todas as vezes que queremos contrastar um lado positivo e o outro negativo. Vamos lá.

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O casamento dos amigos teria quatro dias de festejos para nós: uma recepção, um shabat, a cerimônia em si e um brunch. Escolhemos ir a dois deles, começando pela recepção. Na orla chovia e dentro do terraço do Chinchilla ouvíamos o rugido da tempestade, que diminuiu conforme a animação subia. Minha parte Ruth diz: Petiscos deliciosos, música perfeita e um mojito que mandava muito bem. Amigos de vários cantos do mundo vieram para brindar o jovem casal. Lindos, vibrantes, falantes, alegres, que sua felicidade seja duradoura! Daí vem a Raquel: Quando a banqueteira inspecionou os acepipes, trazia um pano de prato pendurado no ombro. As bandejas passavam sem guardanapos que, quando aparecem, não têm um peso para evitar voar. O vento venceu e os quadrados brancos de papel aterrissaram no chão. Um garçom passou por eles várias vezes e nem se dignou a catá-los. Volta e meia, ele e colegas se juntavam para conversar e dançar bem no meio do salão – note que não era uma apresentação programada, eles estavam apenas se divertindo. Quando colocavam a bandeja na mão, não ofereciam as bebidas, apenas andavam de um lado para o outro, feito zumbis, alheios à própria função. Tanto noivo quanto noiva chegaram atrasados para receber os convidados, para a profunda irritação do futuro sogro, que acabou por chegar tarde e se mandou cedo.

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BOSCHENDAL

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O dia do casamento amanheceu glorioso. O local - uma próspera vinícola, Boschendal - em meio a suaves colinas verdejantes, num jardim primoroso com vista para montanhas, era o cenário ideal emoldurado pelo céu azul claro e iluminado pelo Sol generoso. Os músicos importados de Nova Iorque embalaram a tarde e o show à parte foi do grupo de cantores africanos com sua graça e melodia. As cortinas da chutzpah dançavam ao vento, noiva e mãe lindamente vestidas; a menina compenetrada, a senhora esfuziante – é o que observa Ruth. A interpretação do traje lounge para mulheres variou do longo de gala ao vestidinho de praia, dos belos sapatos a sandálias de corda. Os homens, como sempre, habituados ao paletó, deram show de sobriedade e de elegância, mesmo quando tentavam equilibrar o quipá nas cabeças de poucos cabelos. Engraçados estavam os homens jovens, com suas roupas justas e as calças 'pescando siri', que são a moda hoje em dia, bem ao estilo do não-quero-crescer vigente, aparteia Raquel.

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Ruth viu: Os convidados receberam um sem número de presentes. Entre eles, echarpes com motivos de onças e zebras contra o vento, broches que indicavam a mesa designada para cada um, graciosos guarda-sóis de papel. O rabino com sua voz alta, rascante, cheia de sotaque, deu show com entusiasmo e palavras sensatas, de encorajamento e fortitude. Raquel lembra: O kantor tinha as letras das músicas no celular e nós torcíamos para que a bateria durasse até o fim.

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A luz foi se transformando em noite e a decoração do local desabrochou em belíssimas flores e candelabros - Ruth. Vieram os discursos - pra mim, sempre constrangedores - dos padrinhos, da noiva que fala tão rápido que não dá pra entender, do noivo que criticou a, agora, esposa bagunceira. Gente, honestamente, eu não quero saber da intimidade de cada um! Que coisa mais deselegante! – Raquel. Já falei que a mãe estava deslumbrada, e o pai, conhecido por ser ranheta, até riu das observações e gracinhas do, agora, genro. Será que senti certa inveja e irritação da irmã mais velha com a caçula? Sei bem o que é ter irmãs superstars...

STELLENBOSCH

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Esta cidade entrou na nossa programação por ser perto do local do casamento e por causa de suas vinícolas. A geografia é lindíssima, o verde maravilhoso, a temperatura amena é agradabilíssima. As plantações de parreiras sobem os pés das montanhas e dirigir até elas do lado errado da pista acaba não sendo tão complicado porque o trânsito é tranquilo. Para quem conhece: a sensação é de que Campos do Jordão se mistura com Búzios no centro comercial agitado! Stellenbosch é uma cidade universitária, daí, toneladas de jovens nas ruas. A arquitetura preserva alguns exemplos da construção dos ocupadores holandeses, com alguns telhados de palha, largos muros e a utilização da cor branca. Nosso hotel, o Fynbos Villa, que é patrimônio histórico local, pela sua construção colonial, de influência europeia. Não há arranha-céus e é tudo muito limpo e bonito, arborizado por carvalhos frondosos.

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Partimos para nossa primeira vinícola: Tokara. Ninguém veio nos receber na entrada do salão envidraçado e sentamos por nossa conta numa mesinha em frente à vista para as videiras. Ainda assim, continuamos desatendidos. Tivemos que nos dirigir a um balcão onde serviam taças. Descobrimos um menu com as possibilidades de vinho e acompanhamento, para os quais pagamos. Finalmente um rapaz com um inglês cheio de erres na boca nos serviu. Tokara não deixou saudade. O jantar no mercado do centro da cidade foi muito bom, mas as ostras do Sea Breeze são melhores.

Kanonkop, muito recomendada, nos agradou o seu tinto Paul Sauer. A atendente, muito simpática, parecida demais com nossa amiga Clarisse, ensinou que devemos colocar o vinho branco em bandejas de gelo para servi-lo sempre fresco! Uma ideia brilhante: alguém havia comprado uma baguete, alguém foi buscá-la no carro e foi o que ajudou a passar de uma amostra a outra dos tintos que seguiram.
Na boca de Raquel: A comida do Java Bistrô não impressionou em nada.

Descobrimos o restaurante Fat Butcher, perto de nosso hotel e fomos a pé. Excelente surpresa. Lugar lindo, comida melhor ainda e um Chenin Blanc espetacular. Pena que não consegui pegar o nome dele, snif! Rust en Vedre é uma vinícola bem no alto de uma montanha, a vista é de tirar o fôlego, já não se pode dizer o mesmo dos seus produtos, salvou-nos a baguete de cada dia. Degustamos um belo jantar no Stellenbosch Kitchen, o que nos surpreendeu, porque todos os restaurantes estavam lotados e a carinha dele não era nada convidativa – nisto Ruth e Raquel concordam.

Thelema realmente causou uma boa impressão, tanto o seu vinho doce de sobremesa quanto o tinto Rabelais, digno de nota. Desta vez, compramos para levar pra casa. Como não podia deixar de ser, repetimos o programa de fazer uma refeição no Fat Butcher. Peninha que tive que aprender que um T-Bone tem uma parte boa e outra ruim. Com certeza esta informação seguirá comigo para o resto da vida.

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Observo que o procedimento de degustação em Stellenbosch é diferente daquela feita nas vinícolas americanas do Vale do Napa: nos EUA, o cliente é servido com água para limpar a garganta e a taça depois de experimentar. Ou o copo é trocado a cada vinho experimentado. Provavelmente por causa das restrições quanto a água aqui não é o mesmo, mas acaba prejudicando o sabor das provas.

Hora de fechar as malas e partir para a selva. Deixamos as ostras do restaurante Sea Breeze e os pratos do Fat Butcher, com aperto no coração, para, quiçá, uma próxima visita.

BOTSUANA

Para entender o relato deste safari, pense num sanduíche, que tem três partes, as externas são o pão, a interna é o recheio. Portanto, considere o recheio ótimo, maravilhoso, deslumbrante. Já o pão é duro de roer!

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O Horror, o horror!

Joseph Conrad escreveu o livro Coração das Trevas romanceando sua visita à África na última década dos anos 1800, quando locais estavam escravizados para extrair marfim. A violência reinante se faz presente e um personagem que transita entre a loucura e a lucidez traduz com a frase 'O horror, o horror' todo o contraste entre o humano e o desumano que ali imperava. Um aparte: o filme hollywoodiano 'Apocalypse Now' foi baseado no livro, porém tendo o Vietnã como palco.

Não conheci no Brasil um aeroporto tão pobre, tão imundo, tão desorganizado como o de Maun na Botswana para onde seguimos. Era o início de nossa aventura. Nosso safari é literalmente particular, um amigo, meu marido e eu. Brian, nosso guia, nos recebeu com um sorriso nos lábios e uma placa escrita com esferográfica, toda torta. Ele é grande, negro e gordo. Seu inglês tem um forte sotaque arrastado e com os erres pronunciados de forma engraçada. Somos apresentados a Moabi, que será nosso mestre-cuca pelos próximos dias. Magro, de andar cadenciado, quieto, simpático, tem o corpo de guerreiros africanos: esguio, cintura estreita, ombros largos. Ao longo de nossa convivência, veremos sua força extraordinária para alguém tão fino.

Foto ARF

O safari foi organizado pela Mask Adventures, uma agência de viagem local e nosso contato foi Rupert.
Somos instruídos a trocar dinheiro e comprar coisas de nossa preferência para o acampamento. Na praça comercial, sujeira, poeira, pobreza. Tudo caindo aos pedaços, precário. É hora de almoço e as pessoas comem pelas calçadas com as mãos. Uma mulher de aspecto estranho, magra, com um lenço na cabeça e outro na boca, cola em nossa jardineira aberta. Ela quer esmola ou roubar? Um fica de plantão no carro, os outros seguem para um mercado que, para sair dele você tem que mostrar a nota de compra a um segurança. Tudo pronto - a mulher exigiu mais do que os dez pulas que oferecemos e foi mandada a passear. Nosso destino: Crocodile Camp hotel.

Foto ARF

Nosso hotel, o Crocodile Camp, localizado estrategicamente entre a cidade e a savana é ideal para fazer a transição entre o urbano e o selvagem. Um bom quarto, amplo, bem arrumado, com um ar condicionado potente nos aguarda. Entre dormir depois de uma chuveirada e a massagem gratuita nos pés, cada um faz sua opção depois do almoço que tem o estilo você-escolhe-o-garçom-anota-vai-lá-dentro-e-volta-meia-hora-depois-dizendo-que-não-tem por diversas vezes. A refeição demora quinhentas horas e ficamos preocupados com o café da manhã no dia seguinte, porque temos hora para partir. Decidimos levantar meia hora antes do programado – melhor prevenir do que remediar.

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Com um trailer e a jardineira carregados até as tampas seguimos para uma ilha no delta do rio Okavango, que fica no deserto do Kalahari. Iremos através dos igarapés transportados por mokoros, tipos de canoa empurrados através de longas estacas (poles). Na estação da partida, a moça responsável pelo transporte se aproxima, pede desculpas e informa que não há toalete disponível, mas que posso ir ali, atrás do mato =:0 Agradeço a Deus que não estou necessitada! Neste momento vemos nossos primeiros elefantes ao fundo. 

Foto Nan

Tento chegar mais perto e o guia Brian nos pede parar, ele tem que fazer reconhecimento do terreno primeiro. Ao mesmo tempo, somos avisados de que é hora de embarcar. Missão olhar elefantes abortada. Os polers se apresentam: Alex – o artista, Paladi – mais velho, Kaykay – garoto simpático, Costas - idem e Ishmail – outro guerreiro africano, só que com cabelos enrolados e longos. Trocamos os sapatos fechados por um Croc e uma sapatilha que levamos para justamente este momento. Enfiamos o pé na lama do igarapé e sentamos no fundo da canoa. Alex nos conduz, nosso amigo segue com Brian e Costas.

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Ladeados por uma vegetação ribeirinha alta, passamos por lírios e papiros. O guia nos conta que, antigamente, os mokoros eram feitos da casca da árvore das “salsichas”, mas elas começaram a rarear e uma legislação proibiu esta tradição. Os frutos da árvore em questão realmente têm o formato de salsichas, daí o nome. Alex acha que foi melhor assim, porque talhar a madeira dava muito trabalho e a embarcação ficava mais pesada do que a de hoje. A água é escura, caudalosa e rasa. Alguns peixinhos com uns 3 centímetros de tamanho nadam por ali. A vegetação de repente some, tanto de um lado quanto do outro do canal: é uma passagem de elefantes e hipopótamos.

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A montagem do camping – muito profissional - começa e apreciamos a paisagem com uma cerveja gelada na mão, como bons sahibis que somos. Búfalos pastejam logo em frente. Eles fazem parte do grupo chamado de Big 5 da África: são os maiores e/ou mais difíceis animais de caçar, junto com os elefantes, os leões, os leopardos e os rinocerontes.


Fotos ARF

Nós temos uma barraca, nosso amigo outra. Brian e Moabi têm cada um a sua e há outras para os polers. 

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Um reservado para o chuveiro – quatro estacas rodeadas por lona verde, uma bolsa de borracha com água e borrifo; outro para o toalete – é até ridículo chamar de toalete o que é um assento balançando sobre um buraco com um rolo de papel higiênico à disposição. De acordo com nosso amigo, expert em acampamentos, temos que nos dar por satisfeitos: o assento é um luxo! Uma pá fincada na porta do banheiro significa caminho livre. Se a pá some é porque alguém usa o banheiro. Ah, sim, a pá é para jogar terra sobre o buraco após a utilização! Muito civilizado (grrrrr). Machuquei mãos e dedos tentando fechar o zíper da lona e, claro, nunca fui sozinha ao banheiro, sempre acompanhada de meu marido, que ficava de plantão do lado de fora. Sou a única mulher no meio de nove homens.


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As regras estabelecidas foram claras: sem barulhos, nada de palmas, assovios, gritos ou buzina. Andar em fila indiana para não parecer um bando de mamíferos prontos para atacar. É proibido dar alimentos para os animais ou jogá-los fora, eles não podem se acostumar a nossa comida ou começarão a atacar acampamentos para roubá-la. Quando deixarmos a selva, nenhum traço de nossa estadia deve ficar.


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A comida de Moabi é de primeira, sofisticada. (Vejam só: tivemos Moabi, o chef; Chief, o motorista e o chefe Brian – muito chefe pra pouco índio!). Depois de um passeio exaustivo em fila indiana pela selva, com o calor reinante, o sol castigando a pele e a poeira de séculos pelo ar – vimos um elefante, um hipopótamo e outros nos quais não prestei mais atenção por estar morta de cansaço – janta (acredite pêssegos com custard de sobremesa!), banho, hum, banho... não há mais luz e o jeito é acender a lanterna do celular. Primeiro tem a função de achar as coisas dentro das malas. Depois imaginar qual a melhor maneira de se vestir: com maiô? Saio enrolada numa canga (thanks for the tip, Rupert!) e com as sapatilhas, xingo toda a geração de... todo mundo envolvido naquele acampamento. Levamos duas toalhas de rosto: uma do tipo esponja e outra para acampamento que parece aflanelada, só que não achamos a primeira no escuro e nós dois dividimos a que sobrou. Raios dos infernos. Mas, mesmo improvisado, um banho é uma benção. Caí na cama – sim, cama, thanks to Rupert again! – e morri. No meio da noite, uma ventania e os flaps das janelas começam a bater. Está muito quente na barraca que passou o dia todo fechada para evitar animais. Não consigo mais dormir.

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Recusamos participar da caminhada matutina para descansar um pouco mais e arrumar as malas já que, sem a luz na noite anterior, há coisas espalhadas por toda a tenda. Brian, o guia, fica decepcionado. Tomamos café da manhã no refeitório improvisado e Moabi fez torradas francesas: passadas em ovos batidos e fritadas. Très chic! Rapidamente o acampamento é desmontado, os mokoros carregados e lá vamos nós pelos igarapés, deixando os búfalos para trás.

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De repente, meu mau-humor por causa da noite mal dormida é completamente apagado: Ishmail seguia à frente e Paladi logo atrás dele, ambos com a tralha. Sem dizer uma palavra, o guerreiro encachiado pára, Paladi deixa que Alex o ultrapasse conosco. Silêncio, uma dupla de elefantes está na margem. Lindos, imensos, impressionantes, tão perto! Mas eles escapam quando nos veem. Só que o resto da manada está logo ali, mães e filhotes! Quero explodir de felicidade, obrigada, Meu Deus, pelos meus privilégios!

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Nosso destino após nos despedirmos dos polers é a reserva de Moremi. O acampamento é montado no meio do escuro, agora só por Brian e Moabi. O chefe tenta se livrar de montar o chuveiro, porque ele não carregou água o suficiente. Tenho uma crise de choro, suada, fedida, empoeirada. CFH e ARF mandam que ele se vire. Mais um banho iluminado pela lanterna do celular.

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Foto ARF

Quanta riqueza de vida selvagem! Kudus, zebras, elefantes, girafas, gnus, javalis, babuínos, diversos tipos de cervos, alguns deles, como o waterbuck, correm perigo de extinção. Uma passarinhada diferente. O importante é resistir à poeira, ao calor, ao suor, ao cansaço, à exposição ao sol, relevar pés e mãos inchados (um dos motivos é a pouca ingestão de água), a dor no corpo... 


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É deixar-se surpreender, maravilhar e enternecer com esta natureza tão linda, uma realidade chocantemente diferente da nossa, que nos coloca na devida dimensão. Apreciar a elegância das girafas com seus cílios imensos e sedutores. O pequenino veadinho com risco de sumir da face da terra, no caminho da extinção. A savana traz sinais de destruição feita pelos elefantes – eles cortam a casca das árvores, de tal forma que elas acabam por morrer! O animal homem (besta fera) contribui para a devastação quando põe fogo nelas.

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Segundo dia no camping, CFH afirma que viu um animal através da janela de nossa tenda à noite, que Brian diz ser uma hiena. Eu me recuso a olhar pela janela: não sei como vou reagir se topar com um bicho e tenho medo de gritar, coisa absolutamente proibida. Os guias explicam que nosso cheiro é diferente das espécies da savana e que nos ignoram por causa dos perfumes, do cheiro de pasta de dentes, dos desodorantes, etc. Sei lá, seguro morreu de velho. Foi uma noite muito bem dormida para mim.

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Saímos de novo com a jardineira. Passamos por vários automóveis com turistas, desde os iguais aos nossos até os chiques com ar condicionado! Guias que se conhecem param para trocar informações sobre, por exemplo, onde encontrar animais. De repente, leões! Um grupo de mães e filhotes. Paramos a uns dois metros deles. Fico apavorada e maravilhada ao mesmo tempo. CFH contou 12 deles, a maioria deitada na sombra. Há a leoa lindíssima, com o rosto mais escuro do que as outras, mas ela é cega de um olho. 

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Outra, refestelada de barriga para cima, parece que acabou de fazer uma lauta refeição. O que deve ser verdade pelo sangue ainda vermelho nas garras da que está mais perto de nós. Alguns pequeninos se afastam com a nossa chegada, mas outros continuam brincando. Um espanto! 



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Mais adiante, numa lagoa, crocodilos se divertem. Em outra, hipopótamos num grupo imenso nos observam, com apenas olhos e orelhas acima da borda da água. Elefantes, zebras, girafas e impalas já se tornaram coisa comum na paisagem para nós.



                                                                                Fotos ARF

Não sei se era para se dar importância, mas Brian se vangloria de que nem ele nem Moabi carregam nenhuma arma, nem ao menos um facão. Fico em dúvida se isso é bom, parece muito bonito, romântico, mas e se uma daquelas leoas resolvesse encrespar? A gente acabaria virando filé! Outra coisa que ele faz é desligar o motor da jardineira todas as vezes que nos deparamos com um grupo de animais. E se na hora de ir embora, o motor não pega? Eu, hein! Aprendemos que não se pode buzinar, bater palmas, gritar, assoviar, obviamente não é permitido jogar guimba de cigarro nem alimentos no chão – it is forbidden by laaaaaw é a arenga do guia.


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Mais uma noite dos infernos para mim: o barulho do vento é muito forte e a insônia se junta às indignidades já sofridas, como o cabelo duro de pó, ter que se equilibrar sobre “aquele” buraco, o banho ralo, os pés machucados por galhos com espinhos espalhados pelo acampamento que os guias não se preocupam em tirar, mão arranhada nos zíperes das tendas. Penso em pegar meu Kindle para me distrair e/ou me ninar, mas desisto: vai que a luz atrai animais curiosos!

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O trailer tem algum problema no eixo e está faltando uma porca de uma das calotas. Moabi e Brian trabalham nele por um tempo, o suficiente para nos deixar preocupados com o retorno à civilização no dia seguinte.
O passeio do último dia é muito agradável, o céu com nuvens quebra a violência do sol, há um vento refrescado pela chuva que cai sobre vários locais a nossa volta. Estamos mais alertas e espertos para detectar a bicharada com suas pelagens que se misturam à paisagem. Topamos com uma manada de gnus. O guia avista um chacal rodeando um grupo de búfalos e paramos para observar. Mas nada vai acontecer, parece que ele está sozinho e não é páreo para os grandalhões. O velho elefante mantém um olho em nós e outro nas folhinhas verdes da árvore que arranca com a tromba para comer. Uma de suas presas está quebrada. 



Fotos ARF

Garças, azulões e azulinhos, rolinhas, um pelicano, galinhas d’Angola e da Guiné, avestruzes. Uma família de babuínos faz uma pequena dança para proteger o bebê quando passamos por eles.


Fotos ARF

A rotina de final de dia é abrir logo uma cerveja gelada e ver o céu passar de vermelho a escuro, coisa de buana. Na retina ficam guardadas as imagens, as figuras e a paisagem espetaculares. Amanhã, cinco horas por estradas de terra na jardineira até o aeroporto, é o início do nosso retorno ao Brasil. O chefe Brian ordena que deixemos as malas prontas e, mais uma vez, marcamos de acordar meia hora antes. 
Não deve haver resquícios de nossa estada.

Foto Nan 

Tudo corre bem e chegamos a tempo, entretanto, o embarque de nosso voo se atrasa pelo menos uns vinte minutos. No salão de espera, toneladas de turistas, a maioria europeus, não há cadeiras para todos e alguns sentam-se no chão imundo mesmo.

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Usamos dois hotéis de aeroporto no nosso retorno: o excelente, colorido, limpo, claro, Hotel Verde de Cape Town e, cuidado!, o escuro, sujo, deprimente, nada recomendável Hotel Aviator de Joanesburgo, onde fizemos a conexão para São Paulo.

VERSAMELING

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O cocô dos elefantes que abunda pela savana parece com um xaxim.

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O cheiro de grandes animais mortos é acre.
Disse Brian que as zebras são aparentadas dos hipopótamos – eu, hein?
Vimos 3 dos Big 5: búfalos, elefantes e leões. Faltaram o leopardo e o rinoceronte. Na África do Sul também não vimos pinguins e, por falar em não ver, o cabo da Boa Esperança fica para uma próxima.
O carregador de baterias foi essencial e conseguiu prover carga para nossos dois celulares por uma vez e bastou até que retornássemos à civilização.
As capas de chuva – que compramos numa farmácia de Stellenbosch – não foram necessárias. Ainda bem!


Se me perguntarem se volto, respondo que não. Toda a beleza que vi me supriu de natureza selvagem local o suficiente. Há opções mais confortáveis de safari? Sim, muito mais caaaaaros também!
Se me perguntarem se recomento, devolvo a pergunta “Você gosta de acampar?” caso positivo, já é um terço do caminho andado. Ou dois terços, considerando-se a analogia de um sanduíche, porque o recheio é garantido. Mas vá a seu próprio risco, que eu não quero ter nenhuma responsabilidade nisso!

A preocupação com a água é uma constante, tanto em Botsuana quanto na África do Sul. A falta dela em 2014 implicou numa safra de vinhos excepcionais! É normal vermos em hotéis ao redor do mundo os pedidos para se economizar água, mas no pedação da África que visitamos, as torneiras são “aeradas” para diminuir o jato, usa-se água reaproveitada, de cor acinzentada, para pias, toaletes e chuveiros. Definitivamente, não é local para se beber água das torneiras.

Galeria


















1 comment:

  1. Gostei muito Nancy. Muito bem redigido, fluido, leve, informativo e com uma particularidade que adoro: bom humor! O sumiço da pá na porta do toalete, quando em uso, me passou despercebido, talvez por ser um usuário das madrugadas. Nunca me passou pela cabeça tê-la como acompanhante. Mas é uma informação que me deixou curioso. Como ela é um um instrumento de uso, por assim dizer “posterior”, o que fazer com ela dentro daquele exíguo metro quadrado? Mantê-la a postos para uma certeira pancada na cabeça de alguma hiena curiosa? Ou relaxar e utilizá-la para apoiar o queixo, conforto impensável num num toalete convencional? Bem, vou parar por aqui porque a imaginação pode me levar longe demais. Mas já penso se uma pá não deveria estar disponível até em banheiros cinco estrelas. Um luxo!
    Apreciei muito, também, a sacada na utilização da dualidade Ruth/Raquel. Ruth ameniza, mas é Raquel quem tem os comentários saborosos. Ruth diria que gosto não se discute, Raquel acrescentaria: lamenta-se. E a porta se abre para o humor, tempero da vida.

    Não concordo que apenas o recheio do sanduíche tenha sido bom. Gostei do todo. No meu caso uma viagem dessas é como receber uma transfusão de sangue novo. Mas como você mesmo diz, não sou exatamente “normal” nesse aspecto. Mas adorei a viagem e a companhia de vocês, das ostras do Sea Breeze ao Safari “raíz”, passando pelas divertidas degustações nas vinícolas e pelas incursões nos antiquários de Stellenbosch. Me vem à mente Halong Bay e Borobudur. Quem sabe as próximas? Prometo negociar a estadia com toaletes melhores.

    PS - não vou reler meus comentários. Assim, não me responsabilizo por eventuais deturpações cometidas por esse desagradável corretor de textos.

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