Saturday, 17 December 2016

Nancy na cozinha

O Caso

Devo dizer antes de mais nada que admiro profundamente quem cozinha. Para mim, estas pessoas são mágicas, dignas do meu aplauso e do meu respeito. Eu não cozinho. Nada. Ok, pra não dizer nada, sei passar um bife, estalar um ovo, ferver um arroz de pacotinho ou de miojo – e com este lá vem bronca da Cris Guardia, nossa amiga nutricionista-sempre-alerta. Devo confessar que nem mesmo esses quitutes eu tenho feito, porque morro de medo que meu marido, apreciador de um bom prato, me amarre no pé do fogão. E lá se vão 26 anos de casamento e alguns outros de namoro.
Claro que tenho boas desculpas para enumerar e explicar (não ouso justificar) meus motivos de passar longe, bem longe da cozinha. Começa que sou canhota e o povo não tem muita paciência pra ensinar a gente. Depois, sou filha mais velha: não pode se sujar de jeito nenhum. Quando entro na cozinha, coisas serão quebradas, derramadas ou derrubadas, eu me corto, me queimo e queimo coisas, enfim, um acidente ambulante. Sempre gostei de ter unhas compridas, algumas meninas do Assunção vão se lembrar da minha primeira e única aula de vôlei. Meu passatempo predileto é ler, preciso continuar?


A exceção


Minha única concessão na vida tem sido uma receita de pavê, facílima, que aprendi com a querida família Iannini nos idos dos 1970 e que é a alegria da minha família em ocasiões muito especiais, pois só faço quando me bate a lua. Acontece que durante anos costumamos presentear nas festas com bolos do tipo inglês, aqueles que têm frutas e um traço de licor, uma delícia. As primeiras fornadas vieram da filha de um amigo dileto e mesmo quando ela foi morar na Europa, ele fazia questão de pegar nossas encomendas. Infelizmente, como o próprio dizia, “o mundo ó”, indicando com dois dedos que as coisas mudam, ele foi tomar uísque com o amigo Harry de Veneza em outras paradas.
Daí, providencialmente, a britânica que habita nossos corações começou a nos fornecer, porém, ela decidiu que precisava aprender espanhol e tinha que ser in loco. Bye, bye, Brazil, hello Bolívia.
E agora, José?


Sem pai nem mãe, dei tratos à bola no sentido de o quê poderia eu mesma fazer. O pavê da Sil não é prático como presente porque tem que estar gelado. Lembrei do delicioso bolo de Coca-Cola e chocolate que chamo “do Arrelia”, que me foi ensinado pela Li, neta dele. Porém, também é muito molhado, difícil de embalar. Pensei em brownies, pesquisei na internet e choveu receita. Nenhuma fácil. Desisti e me resignei a bater pernas à procura de presentes já meio em cima da hora. Até que vi no Facebook o filmete de alguém fazendo um tipo de bolo inglês e pareceu muito simples. Resolvi arriscar.

Mão na massa






Separei os ingredientes. Os ovos do “Guilinheiro”. A farinha que fica no congelador já que quase não se usa. O açúcar e o fermento comprados especialmente. Leite sem lactose, faz favor. Canela, água, maçãs. Notei que não tinha os 400 gramas regulamentares de oleaginosas e frutas secas, completei com goji berry.
A droga do motor da batedeira estava no lugar mais alto do armário e o cretino que usou por último não limpou direito antes de guardar. Grrrrrr. A tigela há muito já se foi: este eletrodoméstico veio no enxoval do meu marido. Improvisei com um tupperware... quadrado, porque não tinha outro vasilhame redondo na residência.
Como também não achei forma de tamanho decente, usei as duas únicas, pequenas, que se apresentaram. Mole, pensei, é só dividir a receita. Detalhe, ambas de cone central. Uma de vidro, a outra de metal.
         Com as unhas feitas na cor vermelha igual a bolas de natal, encarei estoicamente o lance de untar as formas. Ugh. Separei irmãmente as frutinhas e oleaginosas, batizei com água e açúcar, coloquei as fatias de maçãs. Na tigela, a manteiga gelada se recusou a desmanchar com a batedeira. A farinha de trigo me deixou branquinha. A tampa do fermento se recusava a abrir e quando saiu veio com o anel do lacre e tudo...

O forno dos infernos


Temos um forno que só falta falar, com quem sabe a linguagem dele, claro, que não é a mesma que a minha. Marquei a temperatura, o tempo que eu queria e o calor por igual tanto em cima quanto em baixo. Pra me garantir, conferi a hora e depois fui terminar o resto.
Um aparte: a massa só deu para cobrir a primeira forma. Tive que fazer outra, ou seja, ovos, açúcar, leite, manteiga, canela e fermento, tudo de novo. As maçãs boiaram em vez de ficarem quietinhas lá embaixo junto com as castanhas e o resto.
Dentro do forno, o bolo crescia, mas passou dos 40 minutos e ele não desligava. Resolvi fazer o teste do palito e só acertava nas maçãs, ou seja, o palito sempre voltava úmido. Dúvida cruel: está pronto ou não? Depois de uma hora, desliguei. Ao desenformar, ainda estava tudo molhado lá dentro.
Reprogramei o forno de novo e fiz minha segunda tentativa. Ele não desligou e não apitou. A massa ultrapassou o cone e as maçãs afloraram. Quando estava bem corado, desliguei. São dois bolos completamente diferentes, muito feios, mas o sabor até é razoável.
Eu odeio cozinha.

Da forma de vidro

Da forma de metal

No comments:

Post a Comment