Artigo publicado na última edição da revista Cavalo Árabe de 2010
No haras noventa e nove por cento dos nascimentos foram de machos; no escritório aquele grande contrato não se confirmou; o clínico geral receita um remédio para diminuir o colesterol e acrescenta: descansar! Você aquelas férias especiais num país que não só tem história como também é tradicionalmente de vanguarda. O dólar está favorável e aquele pacote que a agência de viagem oferece cabe direitinho no seu bolso. Inclui até cruzeiro em navio com um tripulante para cada passageiro. Ou seja, todos os seus desejos serão realizados. O roteiro é atraente, a previsão de tempo é perfeita, enfim, nada que te impeça de mergulhar no prazer, relaxar, aproveitar.
Malas prontas, passaporte e visas em dia, travelers’ cheques devidamente separados, falta jogar na bagagem de mão coisinhas essenciais, como o protetor solar que custa o olho da cara — vaidade faz parte. Afinal, veja só o que você gasta com maquiagem para cavalos! —, a pilulazinha que faz dormir em voos de longa distância... Sentado à frente da televisão para assistir ao jornal da noite, bloco de notas no colo, caneta à mão, o livro com lugares a visitar antes de morrer, à esquerda. O telefone sem fio próximo garante atender rapidamente, se for o veterinário para confirmar que nasceu uma fêmea. Pés para o alto, você se liga no que o repórter tem a dizer.
Horror dos horrores! Você aumenta o som da TV, mal acreditando no que ouviu. Greve na França! Paris em chamas! Como os franceses ousam bagunçar com sua programação? Em pouco sua semana naquele hotelzinho charmoso no Quarteirão Latino é estilhaçada em mil pedaços de queijos e croissants quentinhos, respingos de café bem forte. Nada de sentar-se num bistrô romântico à beira do rio Sena. O tradicional concerto no Palácio de Versalhes desafina e o show noturno dos chafarizes engasga. De forma aterrorizante, tudo o que você aprendeu sobre os franceses vem à mente em forma de tsunami. Eles são protecionistas, a maior indústria deles é originária da pecuária; o presidente mentiu, fingindo ter voltado a se casar com a ex-mulher só para se eleger, depois se junta com uma artista (o homem só é perdoado porque ela é linda); e agora persegue os ciganos, bodes expiatórios seculares de governos desesperados... E esses caras são os mesmos que tiveram um general, considerado herói, que — dizem — afirmou que o Brasil não era um país sério!
Você vê sumir nas patas de um cavalo alado a programação de provar os vinhos que o Renato Machado recomenda no rádio. Dá “adieu” ao passeio pelos jardins das Tulherias e ao show do Moulin Rouge, ao passar na telinha o bloqueio dos reservatórios de combustíveis. “Oui”, você simpatiza com os grevistas: ter seus direitos à aposentadoria prejudicados é terrível. Mas será que não dá pra reclamar depois de suas férias? E o seu direito à liberdade, à igualdade? Assim não dá pra ter sentimento de fraternidade.
Problema existencial. Cancelar ou não a famigerada viagem? E as multas? Serão muitas, poucas, magras, gordas? Hora de trilhar mais um capítulo em sua vida: fechar os olhos e ir... Ou não?
E o que tem essa história a ver com o Árabe? A raça deve muito à divulgação que o imperador francês Bonaparte fez com os famosos tordilhos Vizir e Marengo, eternizados em pinturas e até colocados em museus. Aliás, com certeza são a origem da brincadeira: qual a cor do cavalo branco de Napoleão?
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