Friday 13 July 2012

Saiu na revista Cavalo Árabe


Aula de História

Há um lugar fascinante e curioso numa pontinha do estado de São Paulo, que é testemunha documental da história do Brasil. Foi de mero integrante de sesmaria a grande potência durante o ciclo da produção do café, e hoje o local esconde uma joia de muitas facetas, colocada serenamente em meio a jardins cultivados. Com segredos a serem desvendados e detalhes a serem observados.

Dizem que ali habita o fantasma de uma jovem dos tempos idos que teve a paixão de sua vida morta e emparedada no local — não havia tolerância a amores entre classes sociais diferentes e ele era o capataz da fazenda. Inconformada, a dama, mesmo depois de falecer, não abandona a casa construída originalmente três séculos atrás. A fachada plácida, hoje pintada de amarelo com as múltiplas janelas em um vermelho-terra, impacta de imediato, porém, ao penetrar-se na mansão, uma quantidade incontável de informações nos assalta sensorialmente, a ponto de ser necessário parar e tomar fôlego.

No interior da sede da fazenda, há pinturas de cenas e símbolos enfeitando as paredes — ainda de pau-a-pique no primeiro pavimento e no segundo, construído mais tarde, de tijolos de barro. Portas e janelas altas, mobiliário e enfeites de época, candelabros de cristal, espelhos idem, louças e oratórios diversos povoam os ambientes... Cada mínima peça com uma história própria.

Local de reverência e introspecção, a capela é parte integrante da casa e comporta um mezanino de onde os senhores patriarcas assistiam às celebrações. Belos afrescos fazem companhia ao altar barroco, junto com delicadas molduras douradas e esculturas religiosas.

Passeando-se sobre aquele piso em madeira, percebemos os vestígios de vidas diversas, felizes ou sofridas, como a da jovem que era obrigada a se retirar para a alcova ou “quarto da virgem” — um cômodo de única porta e nenhuma janela —, todas as vezes que homens estranhos visitassem a residência. A família ali era servida por mucamas, cuja senzala se localiza ao rés do chão. Ficamos sabendo que trabalharam na fazenda até 351 escravos, ocupando funções variadas e não apenas como mão-de-obra nas plantações: também podiam ser barbeiro, sapateiro e seleiro, entre outros. Tudo isso é comprovado pelos registros feitos em cadernos escritos à mão com caneta a tinteiro, que ficam expostos numa escrivaninha em madeira.

Através de um alpendre no segundo pavimento, nota-se que entramos pelos fundos da casa, costume normal em muitas residências antigas, por terem sido obrigadas a adaptar seus acessos aos carros de hoje e assim preservar seus jardins frontais. Vendo o cenário que se descortina dali é fácil imaginar o barulho dos cascos dos cavalos nas pedras do chão, puxando carruagens do Brasil Colonial.

A construção passou por muitas restaurações no decorrer do tempo e atualmente é sítio de constante preservação. Mantida pelos atuais proprietários, não foi à toa que o Instituto do Patrimônio Histórico tombou a casa secular: a residência senhorial é uma joia inestimável.

Visitas são possíveis, obedecidas algumas regrinhas de bons costumes, desde que marcadas com antecedência e sempre guiadas. Há a opção de ser acolhido com um lanche na grande mesa próxima à cozinha, e apreciar deliciosos petiscos. O ambiente é rodeado de azulejos e ladrilhos, ricos em detalhes, além de peças e panelas de cobre. Quem se debruçar em uma das múltiplas janelas pode até entrever o criatório de cavalos da raça Árabe ao lado...

Não é possível descrever cada pedacinho de surpresa e encantamento dessa preciosidade, uma verdadeira aula de história, cujos endereços — da internet também — só conto pessoalmente. ;)

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