Tuesday, 8 December 2015

Aconteceu num Hanucá



"Aarão Beit chegou de Vila do Dique pouco antes do pôr do sol. Não tinha sido essa a sua intenção, mas o trânsito na estrada para São Paulo era, como sempre, muito pesado. Passar o fim de semana com seus amigos na fazenda Alta Vista era sempre uma delícia, só que, todas as vezes em que as festividades judaicas se aproximavam, ele se tornava melancólico e preferia voltar para casa, ficar sozinho.

A verdade é que, desde que ele fizera a bobagem de chegar atrasado – muito atrasado – para o Bar Mitzvah de seu filho Leonzinho, seu relacionamento com a mulher, Sura, fora de mal a pior. Ela era mandona, implicante e exigente. Ao mesmo tempo linda, carinhosa, engraçada e uma pessoa com quem se podia contar. Os dois estavam juntos desde a adolescência e nunca haviam se separado. Até que ele resolveu acompanhar o amigo, Roni Assunção, numa viagem a Las Vegas.

Sura obrigou Roni a jurar que Aarão estaria presente à festividade dos treze anos de seu filho. O amigo ajudou e, caramba, ele estava lá! Não foi sua culpa se o voo atrasou e que a Polícia Federal fazia uma operação tartaruga na chegada. A única sorte que teve é que viajara com apenas a mochila como bagagem de mão, não precisou aguardar por malas na esteira e muito menos passar pela inspeção.

Claro que pegou todos os acidentes, todas as obras, todas as blitzes e todos os sinais fechados possíveis desde o aeroporto de Guarulhos até o Alto de Pinheiros onde moravam. Mas ele chegou! Viu o filho com o talit, o tefilin e ouviu a leitura da Torá. E se emocionou. Seu garoto já era um adulto. Mas Aarão estar presente não foi o suficiente para Sura.

A situação em casa que já era sofrível passou a terrível. Aarão decidiu que era melhor procurar um lugar e se mudar. Daí que aquele estava tendo seu primeiro Hanucá separado de sua mulher e de seu filho. E ele não se conformava com aquilo.

Mais cedo, o amigo Roni insistira para que ele ficasse na fazenda e que fizessem uma cavalgada e acendessem as velas do Hanucá juntos. Aarão agradeceu, mas preferiu voltar para São Paulo.

Tirou os sapatos assim que entrou em casa e jogou a mochila num canto. Abriu as cortinas e as janelas. Pegou a menorá para acender mais uma vela da festividade.

Antes de viajar havia deixado um dreidel e moedas de chocolate dispostas sobre uma mesa de centro da sala. Era a diversão predileta de Leonzinho desde que o garoto tivera capacidade de aprender o jogo. O símbolo que estava para cima no pião era o gimmel, que possibilita ao jogador pegar todas as moedas. Lembrou-se da música do grupo pop Abba: “the winner takes it all”. Sentou-se no sofá, encostou a cabeça numa almofada e dobrou as mangas da camisa, disposto a esperar que as velas se consumissem até o final.

Deve ter dormitado, porque levou um susto quando ouviu barulho na fechadura. Uma única pessoa tinha chave para entrar ali.

- Oi, pai, pronto pra perder todo seu gelt?"


Foto: coisasjudaicas

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