por MARCIA ROZENTHAL*
Pode haver uma sensação de estranheza inicial quando o leitor se depara com este título, e se espera um artigo que visa a resgatar valores liberais. Peço um pouco de paciência, e dou a certeza de que serei breve.
A questão é que, considerando, dentre outras, as barbáries noticiadas recentemente em Paris, Mali e Beirute, e as mais de 150 que curiosamente não foram noticiadas, ocorridas em território Israelense, não vejo mais espaço para relativismos.
O mundo está dividido ao meio!
As “esquerdas” nos ensinam, ou doutrinam desde a escola, com muita imaginação e determinação, a relativizar conceitos. Mas estes, por definição, são estruturas absolutas, sólidas e perenes – eles traduzem a essência de uma ideia, e não a forma que ela assume na prática. Fizeram essa leviandade, como se o universo dos conceitos fosse feito da mesma matéria que a nossa combalida realidade, que hoje já aceita o jogo ora lúdico, ora perverso das transmutações. Confundiram nosso intelecto com seus jogos de palavras, a tal ponto que argumentar com descrições fiéis de fatos concretos e explícitos parece pouco, para comprovar os absurdos que constroem com as palavras.
Ocorre que o universo dos conceitos é, neste momento, o único lastro que pode sustentar a vida. É o mastro de que a humanidade saudável dispõe para se segurar, subir e olhar para si sem se desmanchar na lama tóxica, misturada ao sangue, aos corpos baleados, esfaqueados, explodidos, esquartejados e desovados pelos chãos mundo afora.
E a grande sandice é que movimentos de “esquerda”, com suas notórias ditaduras truculentas e assassinas, e os jihadistas, com sua colérica guerra pela “limpeza” religiosa, fazem isso em nome do “bem” da humanidade – onde nós estamos incluídos – excluindo-nos! Eles querem nos matar porque querem um mundo melhor para nós!
O que é, afinal, o bem, e o que é o mal?
Sempre volto aos meus alfarrábios, às minhas origens ancestrais quando preciso subir no meu mastro, e refletir. A melhor explicação que encontro é visual, matemática. Cito como inspiração o Rabino Arieh Kaplan, físico quântico de formação.
Linhas que partem de um mesmo ponto, em direções opostas, irão se encontrar no infinito, ou seja, os excessos de qualquer atributo se equivalem em valor. Por exemplo, a acentuação do desejo de justiça, gradualmente ruma para a falta de empatia, de entendimento, de compreensão, até chegar à cegueira de um julgamento rígido ou sumário, ou então a uma odiosa sede de vingança. Se for na direção oposta, no sentido da misericórdia, a acentuação deste traço segue em direção à covardia, à permissividade, à leniência.
Seguindo esse raciocínio, pode-se definir o mal como o que se localiza nos extremos, nos excessos. No mesmo lugar onde ditadores, jihadistas, covardes e omissos se encontram. Suas intenções, vamos até crer que são genuinamente boas, mas o resultado é a maldade, o horror, o terror.
Isso é o suficiente para entender que o bom não é o mesmo que o bem, e o mau não é o mesmo que o mal. Nem a natureza, que detém a inteligência sublime da vida, tolera extremos, sejam eles bons ou maus.
Ela os expurga.
Daí vem o conceito do bem.
Todo organismo vivo – ou social – precisa se manter em pleno equilíbrio interno. Esse mecanismo, chamado homeostase, foi descrito brilhantemente por Cannon há quase um século, no terreno da biologia. O organismo dispõe de vários sensores para detectar pequenas variações de parâmetros vitais – temperatura, pressão, nível de oxigênio. Pode-se acrescentar a vigilância imunológica, que monitora invasões por seres ou substâncias estranhas. Percebido qualquer sinal de perigo, de variação da estabilidade, há imediato disparo de mecanismos para reequilibrar o sistema : ressalto que a todo custo. A vida é o valor maior.
E a parte mais instigante e elegante desta história é que, de cada contato com esses estímulos “nocivos” – que até podemos chamar de “mau” – o organismo guarda a memória, e forma novos aprendizados, e assim evolui e se fortifica. Ou seja, a presença do mau curiosamente é o que permite que nos tornemos melhores como indivíduos, como cidadãos, como sociedade.
O bem, em suma, seria o estado resultante desse processo, preceito básico para que haja um desenvolvimento saudável e criativo.
Como regra, a sociedade ocidental, capitalista e liberal se estruturou de forma em que o bom e o mau são partes inerentes da vida, e se inter-relacionam. Os excessos naturalmente ocorrem, mas se respeitadas as leis naturais, quando atingem um determinado limiar eles são detectados, anunciados, e precisam ser automaticamente expurgados por mecanismos de defesa, para que haja sobrevivência e saúde do sistema.
Por tudo isso, temo pelas ideologias que se julgam “boas”, por visarem a extirpar à força o “mau”.
Temo pelo confinamento da humanidade numa “bolha asséptica”. Temo porque isso gerará a uma sociedade de mortos-vivos, de covardes e de vampiros.
Mas, neste exato momento, meu maior temor é que estas ditas ideologias, repletas de “boas” intenções, têm traquejo, malícia, força e recursos para forjar com seus discursos, sentimentos de culpa e vergonha, veneno que paralisa corpos, divide mentes e confunde nossos mecanismos de defesa.
Como é possível a essa altura sentirmo-nos responsáveis por atos bárbaros contra nós perpetrados? Como podemos acusar raivosamente países que precisam usar a força para se defender? Como podemos defender povos que usam suas crianças como escudos humanos e até a vida seus próprios cidadãos como bombas humanas?
Chegamos ao momento em que o bem e o mal se tornam valores confusos: consequência do trabalho cunhado com paciência, astúcia e dissimulação pelas “esquerdas”, que definem que é “politicamente correto” a covardia, a apatia e a estultice coletiva. Esse é o golpe definitivo, travado contra o liberalismo, contra a democracia e contra a força criativa da vida.
Por isso tudo, temos que subir em nossos mastros, resgatar nossa possibilidade de voltar a enxergar o mundo com suas cores – que certamente não são “tons de cinza”!
Precisamos fortificar nossas defesas e alicerçar profundamente os nossos princípios, para – com confiança, e não como covardes – enfrentarmos este conflito, que caminha para uma possível derrota.
*Marcia Rozenthal é neuropsiquiatra e professora da Escola de Medicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Fonte: institutoliberal.org.br
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